A beleza desconcertante de Marion Cotillard foi um dos pretextos para revisitar “Allied”, e, como eu já aqui uma vez disse, não há tanto essa coisa de “filmes injustiçados”, porque neste caso até resultou num estrondoso sucesso de bilheteira, mas…
A beleza desconcertante de Marion Cotillard foi um dos pretextos para revisitar “Allied”, e, como eu já aqui uma vez disse, não há tanto essa coisa de “filmes injustiçados”, porque neste caso até resultou num estrondoso sucesso de bilheteira, mas aqui mais na subvalorização de uma obra que considero facilmente no podium dos melhores filmes de Zameckis, os outros dois são “Contact” e “Forrest Gump” (deixo “Back to the Future” nas menções honrosas); achei por isso que esta história lindíssima e comovente de Steven Knight (que ainda à pouco nos entregou “The Lockdown”, disponível na NetFlix ) não mereceu a reverência da crítica, o que acho paradoxal tendo em conta a forma e o método que levaram a cabo este drama clássico, que poderia ser a preto e branco e ser datado da década de 60.
O mítico romance entre o sempre charmoso Brad Pitt e a bela Marion durante as filmagens que dizem terá precipitado a separação deste com Jolie foi o hype que catapultou o filme, mas tb a sua maldição em parte, secundarizando injustamente tudo o resto; e o resto é antes de mais um filme lindíssimo, de longe o melhor trabalho de Don Burgess, com sequências fotografadas com uma sensibilidade e beleza invulgares: os planos no deserto, a parte no apartamento em Londres (o ecrã recortando as personagens com diferente iluminação), claro a sublime cena de sexo entre Marion e Pitt (Marriane e Max) com a câmara em spinning ( envolvimento, personagens que se fundem durante a tempestade), e Marion sempre que possível em grande plano capturando a sua incrível beleza, vestida com um guarda roupa lindíssimo que valeu um óscar ( a cena final e o grande plano de Marion com o capuz vermelho, os seus belos olhos verdes iluminados na penumbra, enfim… uma obra de arte). Tudo isto merece ser visto, além de uma realização segura que nos devolve um drama clássico com um final terrível (aguenta coração) mas que merece revisitação sempre que o espírito pede uma daquelas histórias de fazer chorar as pedras da calçada. Um bom momento na carreira de Zameckis que é obrigatório checkar.
A Pele
Escrito em: 2021-04-02
Mais um da fornada dos (talvez) esquecidos exercícios artísticos que depois de descerem à cave do esquecimento justificam revisitação: uma história sci-fi sobre um estranho extraterrestre que se esconde debaixo da pele de uma mulher foi o pretexto para um…
Mais um da fornada dos (talvez) esquecidos exercícios artísticos que depois de descerem à cave do esquecimento justificam revisitação: uma história sci-fi sobre um estranho extraterrestre que se esconde debaixo da pele de uma mulher foi o pretexto para um dos mais radicais e desregrados manifestos estéticos que o cinema já testemunhou, granjeando sobretudo o respeito da comunidade cinéfila por Jonathan Glazer, que depois deste seu projecto de cunho obcecadamente pessoal, que demorou 10 anos a ser feito e 4 anos a ser gravado, nunca mais assinou nada de nota.
Fica a beleza hipnótica do corpo nu de Scarlet Johanson, superiormente capturado naquele inesquecível plano em frente ao espelho, o soberbo trabalho de realização, entre o documental e o puro virtuosismo técnico, e ainda a impressionante perfeição plástica desta obra que não pode deixar ninguém indiferente. Mais um dos imprescindíveis da minha prateleira.
Caleidoscópio de Beleza
Escrito em: 2020-12-12
Krzysztof Kieślowski assinou “Rouge”, a coprodução Polaca, Suíça e Francesa que seduziu o mundo num sopro de deslumbramento no já distante ano de 1994, encerrando ainda de forma misteriosa e súbita a filmografia do realizador de “A Dupla Vida de…
Krzysztof Kieślowski assinou “Rouge”, a coprodução Polaca, Suíça e Francesa que seduziu o mundo num sopro de deslumbramento no já distante ano de 1994, encerrando ainda de forma misteriosa e súbita a filmografia do realizador de “A Dupla Vida de Veronique”, que não mais voltaria a realizar mais nenhum filme, depois deste belíssimo e sofrido testemunho do que o cinema é capaz quando nas mãos de um verdadeiro mestre, um profundo conhecedor da sua arte, dominando por completo a sua linguagem e método.
Valentine, a personagem interpretada pela belíssima Irene Jacob, atropela por acidente um cão no seu caminho de casa, ao devolver o cão ao seu dono, conhece o seu estranho espelho, um homem envelhecido e amargurado por uma história de amor falhada, e com ele começa um jogo labiríntico de auto conhecimento mútuo; ele despindo-lhe o futuro numa frase enigmática dita lá para o meio do filme: “Sonhei que um dia acordavas feliz…e não estavas sozinha…”, a cena comovente e central desta obra prima do cinema contemporâneo onde estas duas personagens se acabam formalmente por despedir. Tenho sempre a tentação de pensar que “Lost in Translation” de Sofia Copolla se inspirou em “Rouge” em particular na criação deste dueto de personagens que partem como dois completos desconhecidos, criando no final uma intimidade para além do sexo, para além da amizade, algo inexplicável como o amor (?); não sei se efectivamente isso é verdade ou não, nem me interessa muito, sou franco, interessa-me muito mais este caleidoscópio tremendo de beleza fotográfica e cinemática que é “Vermelho”, um filme sobre a intimidade, as memórias e o destino, simbolizado pelo enigmático plano final do filme, a colagem ao cartaz publicitário de Valentine em fundo vermelho, o ciclo onírico do seu interlocutor, e o destino das personagens que se encerra naquela momento.
Um filme de uma beleza que nos esmaga por completo e absolutamente imprescindível na prateleira de qualquer cinéfilo.
Criados por Monstros
Escrito em: 2020-09-21
Não é muito comum séries de televisão com este grau de profundidade e rigor na abordagem a um tema espinhoso e complexo como a religião e o sua dialética com a humanidade em cada um de nós . O que…
Não é muito comum séries de televisão com este grau de profundidade e rigor na abordagem a um tema espinhoso e complexo como a religião e o sua dialética com a humanidade em cada um de nós . O que mais me impressiona em “Raised By Wolves” é justamente o total desprendimento em relação às convenções que no fundo limitam as abordagens possíveis a um tema como este: falar da religião abertamente como uma força que corrompe, deturpa e delapida por completo a humanidade em cada um de nós, na medida em que nos circunscreve a muros de crenças e rituais, e em última análise nos privam da liberdade, da verdadeira liberdade.
Aqui o humanismo é detido por duas máquinas, encerrando-se o tema central da série na sua metáfora principal, a personagem “Mother”, a figura maternal que com o passar da história se vai humanizando cada vez mais, em contraponto aos restantes humanos que se diabolizam, e que já para o fim da primeira temporada regridem à mais animalesca e primária das condições. A personagem de Amanda Collin (numa soberba interpretação) vai descobrir a redenção do amor, perseguida que é pelos humanos cegos pela religião e o misticismo; daí também o contraponto de “Mother”: a criança inconformada (o revolucionário utópico), a minoria ruidosa representada por “Campion”, a criança supostamente frágil, um sobrevivente e a erva daninha da mudança.
Para além das óbvias conotações políticas de imediata tradução contemporânea; religião e a cegueira da ignorância e do misticismo, sobressai também o virtuosismo técnico deste projecto que tem como Produtor Executivo e realizador de alguns episódios Ridley Scott; isto a par de uma fotografia belíssima, uma banda sonora enigmática e sedutora, além de um naipe de actores que emprestam a esta série, que sem dúvida ascenderá a objecto de culto em pouco tempo, um cunho de autenticidade que faz a diferença quando se abordam de forma tão descarada temas tão polémicos e sensíveis como a religião e humanismo.
Um trunfo precioso da HBO e uma série absolutamente obrigatória para quem ama a 7a arte. Para ver sem fé ou perdão.
Caminho para “Dune” – Primeiro Trailer
Escrito em: 2020-09-17
Quem me conhece sabe o que esta história, estes livros, significam para mim: a história tantas vezes repetida do homem preso ao seu destino, o profetizado salvador no seu tempo sem tempo, um messias, um libertador de um povo oprimido,…
Quem me conhece sabe o que esta história, estes livros, significam para mim: a história tantas vezes repetida do homem preso ao seu destino, o profetizado salvador no seu tempo sem tempo, um messias, um libertador de um povo oprimido, proscrito e sem pátria; a lenda de Muad’ib, que acaba por ser uma alegoria comovente e desencantada da humanidade, da história do mundo, do nosso mundo. E é justamente esse jogo de espelhos que Herbert faz durante os cinco livros que a mim me esmaga por completo; na história de Muad’ib e dos Fremen temos dois mil e tal anos do nosso próprio passado que ele condensa numa série de metáforas e alegorias, de pensamentos, de reflexões sobre a humanidade, o sentido da existência, a missão intrínseca da nossa espécie, sobre o verdadeiro sentido do humanismo numa perspectiva universal, profunda e sentida. Villeneuve tem a missão ciclópica de trazer para o grande ecrã a lenda de Muad’ib num formato que chegue a todas as gerações, aos fãs como eu, mas sobretudo, e com urgência, às novas gerações que não leram os livros, nem nunca ouviram falar de Arrakis; porque é sobretudo para eles que Dune mais faz sentido, na sua colagem à actualidade política e social, com a questão premente do povo da palestina ainda na ordem do dia, dos refugiados sem pátria (os Fremen de Herbert), das contradições do nosso mundo capitalista, da ascensão dos populismos e dos salvadores, e da queda nos totalitarismos.
Comoveu-me imenso ver o esforço e o talento colocado neste projecto: desde um elenco absolutamente de sonho a uma espécie de dream team atrás das câmeras, sem concessões e sem tecto de orçamento, um all in da Warner e de Villeneuve com a missão sobretudo de ser fiel, de ser verdadeiro e de fazer justiça ao material de origem. E isso percebe se desde logo neste trailer; para além da fotografia inacreditável, do som, da escala no design de produção, dos efeitos visuais assombrosos, dos fragmentos de interpretações soberbos (Chalammet, Rebecca Ferguson, Xavier Bardem, enfim…) “, além disso tudo, aquele toque, aquele pormaior de colocar “Eclipse” dos Pink Floyd, eles que foram os originariamente escolhidos pars compor a trilha sonora no projecto falhado de Jodorowsky , uma canção que fala sobre lágrimas na chuva, sobre o tempo e sobretudo, sobre a inviabilidade do destino. Uma mensagem, uma espécie de abraço sentido enviado da produção para os fãs antigos que já entraram nos 40, e eu tal como eles, percebemos. Obrigado por este presente.
Dune 2021 – Ascensão e queda dos Messias
Escrito em: 2020-08-15
O espantoso elenco que está a colocar em total estado de apoplexia os fãs de “Dune”: a Casa Atreides perfilada com Jason Momoa como o temerário Duncan Idaho em primeiro plano, Timothée Chalamet como Paul Atraides / Paul Muad’Dib lá…
O espantoso elenco que está a colocar em total estado de apoplexia os fãs de “Dune”: a Casa Atreides perfilada com Jason Momoa como o temerário Duncan Idaho em primeiro plano, Timothée Chalamet como Paul Atraides / Paul Muad’Dib lá atrás, e perto, Rebecca Ferguson como a sensual e poderosa Lady Jessica, Josh Brolin como o mestre Gurney Halleck, entre outros. A quantidade inacreditável de talento presente no Casting de “Dune” (falta aqui por exemplo Javier Barden como Stilgar !! Stellan Skarsgård como Barão Vladimir Harkonnen !!, Charlotte Rampling como Mãe Reverenda Gaius Helen Mohiam !! enfim…) indicia que não se olhou a despesas na missão de trazer à vida (mais uma vez) a imortal saga que Herbert escreveu sobre a volatilidade dos Líderes Humanos, sobre a religião, o equilíbrio dos ecossistemas, os povos proscritos, o socialismo e as utopias; tudo questões pertinentes e perfeitamente actuais, que invocam a tremenda profundidade de “Dune”, nas suas múltiplas interpretações filosóficas e políticas que o colocam na prateleira exclusiva das grandes obras da literatura mundial.
“Dune” é além de tudo uma obra profundamente humana, nela se retrata a ascensão de um líder, um (falso) messias, com uma palavra de esperança que leva a um povo proscrito, levando a cabo uma dilacerante luta pela sua libertação, pelo que é justo, pelo que está certo; mas esta sua missão está juncada de interrogações e sombras, escondendo um futuro sombrio, um horizonte povoado pela sombra do totilitarismo, da intolerância e dos fascismos. A luta de Paul Muad’Dib pela justiça, pela igualdade, pela liberdade irá o transfigurar a si e ao povo que jurou libertar da oligarquia e de opressão, paradoxalmente em algo ou alguma coisa que nunca foi sonhada, mas que aconteceu como se fizesse parte de uma estranha ordem natural das coisas. E essa é a mensagem terrível e ao mesmo tempo cheia de humanidade que “Dune” nos ensina: Um homem, uma mulher, um ser humano, é fruto do seu contexto, do seu momento no tempo e espaço. A lenda eterna do amanhecer de Paul Muad’Dib e dos Fremen, irá ser contada de novo.